Painel na Casa COP do Povo, em Belém (PA), aborda estratégias e caminhos para proteção territorial e resiliência climática na Amazônia
Evento reuniu lideranças comunitárias, organizações da sociedade civil e instituições de pesquisa para discutir justiça climática e resiliência em territórios tradicionais.
No dia 12 de novembro, durante a COP30, a Rede de Monitoramento Territorial Independente (Rede MTI) promoveu o painel “COP30 na Amazônia: Caminhos para proteção de territórios e enfrentamento às mudanças do clima”, na Casa COP do Povo, em Belém (PA), com transmissão ao vivo pelo Youtube. Coordenado em parceria pela Rede MTI, Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), Coordenação das Organizações da Amazônia Brasileira (COIAB), Articulação Agro é Fogo e Coalizão Florestas & Finanças, o evento reuniu lideranças comunitárias, representantes da sociedade civil e pesquisadoras(es). A atividade, que integra o ciclo de encontros do Grupo de Colaboração sobre Justiça Climática, teve como objetivo promover debates sobre estratégias para enfrentamento a eventos extremos e garantia de resiliência climática em territórios tradicionais na Amazônia.

O painel, mediado por Eric Macedo (FGVces), contou com apresentações de Marcilene Guajajara (Coiab/Coapima), Kena Chaves (FGVces), Cecília Gomes (Articulação Agro é Fogo), Fernando Carneiro (Fiocruz/CE) e Tarcísio Feitosa (Florestas & Finanças). Na ocasião, os painelistas compartilharam aprendizados concretos do enfrentamento à seca extrema, aos incêndios criminosos e ao desmatamento que atingiram o bioma entre 2023 e 2024.
Marcinele Guajajara (Coiab/Coapima) destacou os desafios enfrentados por povos indígenas amazônicos resultantes do aumento de ameaças às lideranças, expansão de empreendimentos de grande infraestrutura na região e impactos das mudanças climáticas e dos incêndios criminosos. Em face desse contexto, povos e organizações indígenas mobilizam diferentes estratégias para garantir respostas às suas demandas, como iniciativas de monitoramento independente, brigadas comunitárias de combate e manejo do fogo, e defesa dos territórios por guardiões e guerreiras das florestas. Por fim, a apresentadora destacou que a Conferência do Clima apresenta limitações para o endereçamento integral das demandas dos povos, mas, ainda assim, estratégias de disseminação de informações e incidência na COP30 podem contribuir para a visibilização e concretização de demandas relacionadas à demarcação e proteção de Terras Indígenas (TIs).

Fonte: João Palhares / Articulação Agro é Fogo.
Em seguida, Kena Chaves (FGVces) apresentou pesquisa desenvolvida pela equipe do FGVces sobre os impactos da seca extrema de 2023-2024 sobre as mulheres e os territórios amazônicos. Elaborada com base em revisão bibliográfica, entrevistas semi-estruturadas e oficinas presenciais e virtuais, os impactos relatados iluminam a fragilização de múltiplas dimensões do cotidiano dos territórios, como a sobrecarga do trabalho de cuidado e aumento da violência contra as mulheres. Diante desse cenário, mulheres lideraram estratégias diversas para enfrentamento aos impactos da seca, como a distribuição de cestas básicas. Por fim, a pesquisadora apresentou recomendações focadas na garantia das condições de manutenção dos modos de vida; a ampliação de capacidades de serviços públicos; a incorporação de iniciativas voltadas às mulheres nas políticas climáticas; e o fortalecimento de estratégias de proteção territorial.
Na sequência, Cecília Gomes (Articulação Agro é Fogo) apresentou um panorama sobre os incêndios criminosos que assolaram a Amazônia nos últimos anos. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a região registrou 550 conflitos envolvendo incêndios entre 2019 e 2024, atingindo principalmente territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais nos estados do Maranhão, Tocantins e Rondônia. A apresentadora denunciou a utilização do fogo como estratégia de apropriação indevida de terras altamente rentáveis por parte de atores do agronegócio. Como estratégias de enfrentamento, Cecília destacou a utilização de aceiros para evitar a propagação do fogo, o fortalecimento de brigadas comunitárias de combate e manejo do fogo, a organização de encontros para intercâmbio de experiências e a realização de oficinas para elaboração de projetos e captação de recursos. Enfatizou, ainda, a importância das juventudes amazônicas nas ações de cuidado com os territórios e na incidência política no contexto da COP30.

Fonte: João Palhares / Articulação Agro é Fogo.
Durante sua apresentação, Fernando Carneiro (Fiocruz/CE) apresentou o conceito de vigilância popular em saúde. Difundido sobretudo no contexto da pandemia de Covid-19, o termo diz respeito à produção e ao uso de informações, por parte da sociedade civil, para acompanhamento e tomada de decisões sobre a situação de saúde coletiva em territórios de povos e comunidades. O pesquisador destacou que os indicadores monitorados nas ações de vigilância popular em saúde envolvem percepções sentidas através dos corpos dos sujeitos e enfatizou que os dados coletados subsidiam a definição de estratégias comunitárias para defesa da vida. A partir disso, Fernando teceu relações entre o monitoramento territorial independente e a vigilância popular em saúde, destacando a indissociabilidade entre a saúde de corpos e territórios. Por fim, divulgou a publicação “Monitoramento Territorial Independente e Vigilância Popular em Saúde: Reflexões sobre Impactos em Territórios Atingidos”, organizada em parceria com a Rede MTI, COIAB e ABRASCO, e o guia “Vigia, Povo! Um Guia de Vigilância Popular em Saúde”, organizado pelo Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes da Fiocruz/CE em parceria com a ABRASCO.

Para finalizar o painel, Tarcísio Feitosa (Florestas & Finanças) apresentou trabalhos e pesquisas desenvolvidos pela Coalizão Florestas & Finanças, uma aliança internacional que reúne 11 organizações localizadas na América do Sul, África e Ásia, com foco na responsabilização de atores envolvidos com o financiamento de atividades que ameaçam florestas, sobretudo desmatamento e incêndios. Os resultados das investigações alimentam uma plataforma virtual, que tem como objetivo visibilizar investimentos alocados por bancos e instituições financiadoras associados a tais riscos. Para além da produção de relatórios, a coleta de dados também tem como objetivo subsidiar a produção de evidências sobre a incidência do desmatamento e dos incêndios em territórios tradicionais, e apoiar demandas pela reparação de danos. Como caminhos, o apresentador destacou a importância de fortalecer a regulamentação de critérios socioambientais para financiamento por parte dos bancos e integrar dados das unidades federativas e dos bancos sobre a situação fundiária e a regularidade jurídica das terras alvo dos investimentos em questão.

Debate
Durante o debate, os participantes destacaram a potência das juventudes para a defesa da vida e a proteção dos territórios, ameaçadas pela perspectiva futura de intensificação das mudanças climáticas. Nesse sentido, ressaltaram a importância de iniciativas de monitoramento independente para produção de evidências, incidência política e subsídio à formulação de políticas públicas voltadas à ampliação das capacidades de resiliência climática em TIs e territórios tradicionais, quilombolas e da agricultura familiar. Outra contribuição da sociedade civil enfatizada pelos participantes do painel se refere à disputa contínua por parte dos movimentos sociais para influência na agenda do clima, a exemplo da organização de fóruns populares e democráticos, como a COP do Povo e a Cúpula dos Povos. Por fim, os palestrantes destacaram como potencial legado da COP30 a materialização das demandas de povos indígenas e comunidades tradicionais em políticas públicas de Estado.
Confira a gravação completa do evento no link.